Unidade e desunião
Na Igreja pode haver o exercício da unidade como também, por infelicidade, o exercício da desunião. Isto quer dizer que quando uma igreja local exercita a unidade, ela está obedecendo ao que a própria Palavra diz: “esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz,” (Efésios 4.3); por outro lado, quando há desunião na igreja local o que podemos perceber é algo estranho ao comportamento que essa igreja deveria exercer. Nesse último caso estará presente um espírito desidioso na observação da Escritura, bem como a soberba ou a arrogância por parte de alguém ou de algum grupo dentro dessa igreja.
Deve-se compreender que a unidade não é a mesma coisa que uniformidade em um sentido mais radical. A unidade é a qualidade daquilo que é único, mas não quer dizer que possui uma única forma nela mesma. Sendo assim, a unidade da Igreja é a característica que ela possui de ser única ou exclusiva de Deus; mas, ao mesmo tempo, ela possui membros que só podem ser ou agir de uma única forma. Então, é nesse sentido que a Igreja possui unidade mas não uma uniformidade radical.
Mas há ainda outro ponto que se deve atentar. Pelo fato da Igreja não possuir uma uniformidade no sentido mais radical da palavra, por sua vez ela possui uma diversidade. A diversidade é a qualidade que a Igreja única de Deus possui para agir de diversas maneiras. Em 1ª Coríntios nota-se que os crentes daquela igreja achavam que deveria existir um único grupo ou pelo menos um grupo que prevalecesse em relação aos outros. É então o momento de Paulo esclarecer suas mentes: “Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa e que não haja entre vós divisões; antes, sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer. Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui informado, pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós. Refiro-me ao fato de cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo. Acaso, Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vós ou fostes, porventura, batizados em nome de Paulo?” (1Coríntios 1. 10-13).
Mais adiante nessa mesma Carta, Paulo então aplica que há uma unidade e, dentro dessa unidade, há uma diversidade: “Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos.” (1 Coríntios 12. 4-6).
Deve-se perceber que a diversidade existente na Igreja não deve significar desunião, muito pelo contrário, a diversidade deve cooperar para o fortalecimento da unidade. Infelizmente, o que pode ocorrer é surgir o desejo por parte de uns ou outros membros da Igreja que procuram prevalecer com suas preferências pessoais. E, na maioria das vezes, esses desejos não representam o bem da comunidade eclesiástica nem é uma orientação da Palavra de Deus. São meros caprichos. Quando isso ocorre, então facilita o enfraquecimento da comunhão com o surgimento do comportamento mais desunido entre os membros da Igreja.
Por outro lado, quando as ações da Igreja são pautadas pela Palavra de Deus e suas decisões são em obediência à Palavra em prol da comunidade cristã (seja o zelo por uma doutrina sadia, pregação fiel das Escrituras, disciplina, mudanças, entre outros), então haverá um fortalecimento da comunhão e, consequentemente, a unidade da Igreja.
Precisa-se levar em consideração que a Igreja é uma instituição divino-humana. Divino por ser fundada por Deus através da obra de Cristo. Humana porque seus membros são seres humanos. Como uma instituição divina, a Igreja possui todos os elementos para agir dentro do paradigma divino: a Bíblia, a presença do Espírito, a intercessão do próprio Cristo, os dons espirituais, entre outros. Todos esses elementos contribuem para a ação correta da Igreja. Contudo, não há como pensar que a Igreja acerta em todas as suas decisões. A Igreja também é uma instituição humana e, consequentemente, suscetível a erros. (cf. CONFISSÃO de Fé de Westminster, capítulos XXV. V e XXXI. III).
Deste modo, pode-se afirma que quando uma Igreja em um determinado local age em favor da unidade cristão, exercitando a comunhão, é porque essa Igreja tem usado os elementos dados por Deus. Por outro lado, quando essa mesma comunidade age desfavorecendo a unidade cristã, há possibilidade de que os erros provenientes de sua humanidade tenham se evidenciado mais
Cooperação
Cooperação representa tanto o ato ou o efeito de trabalhar simultaneamente com alguém, como também auxiliar alguém. A cooperação é a atividade prática de cada membro da Igreja em relação aos demais. Cooperação dentro do Corpo de Cristo pode ser entendida como apoiar ou incentivar alguém que execute qualquer trabalho. Também significa fortalecer o fraco, esclarecer o confuso, perdoar e ser perdoado, enfim, viver em um companheirismo fraterno uns com os outros: “Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda a junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor.” (Efésios 4. 15 e 16).
A cooperação faz parte de um crescimento ou progresso. Esse progresso acontece dentro da perspectiva de Cristo e é realizado em amor. Isso quer dizer que cooperação não se faz em um simples ato mecânico, ela é realizada no crescimento que só o amor ocasiona. Percebe-se que quando há a decisão de cooperar ou auxiliar, é aí que há o estímulo ao amor e às boas obras: “Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras.” (Hebreus 10. 24).
O exercício da cooperação é o que vai contribuir para uma comunhão com aspecto real e sadio e, consequentemente, uma forte preservação da unidade cristã. Isso significa que não há como esperar que surja um sentimento de cooperação para então realizar tal cooperação. Segundo o texto de Hebreus (supra) percebe-se que, primeiramente, é necessário considerar uns aos outros e isso contribuirá para a continuidade da cooperação. Assim, também diz Paulo: “para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros. De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam.” (1 Coríntios 12. 25 e 26).
Paulo ainda exorta: “esforçando diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz.“ (Efésios 4.3), nota-se que deve existir um esforço por preservar a unidade do Espírito através de um instrumento: o vínculo da paz. Através dessa expressão, deve-se entender que as ações da comunidade cristã se fazem pelo elo, ou ligação da paz; mas, que paz é essa? É interessante perceber que paz vai além do significado de ausência de guerras, ou de conflitos, ou de problemas. Na verdade, paz também o sentido de acordo ou concórdia, bem como de uma tranquilidade social e o estabelecimento da ordem. Isso mostra que o preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz também é uma orientação para que se deixem as diferenças pessoais de lado em busca do bem comum. É a prática da declaração de amor mútuo, amor este proveniente de Cristo. Sendo assim: “O vínculo é fortalecido quando emprestamos nossos ouvidos às angústias do irmão (nunca ao tropeço dos outros!). O tempo que dedicamos ao companheiro de jornada torna-se em bálsamo para suas feridas, força para suas fraquezas. A unidade fica mais evidente (Gálatas 6. 2), pois nesse partilhar e compartilhar poderemos, sem receio de nos expor ao ridículo, declarar nosso amor mútuo, derramando as mesmas lágrimas, sorrindo com as mesmas alegrias, partindo, repartindo e comendo o mesmo pão da graça infinita.” (SANTOS, Ismael dos. O teste da unidade. In: HORREL, J. Scott (ed.). Ultrapassando barreiras: igrejas inovadoras e métodos bíblicos que brotam no Brasil. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 215.)
Enfim, cooperação é a disposição de trabalhar e auxiliar irmãos e irmãs em um mesmo propósito. Esse propósito visa o bem de cada um e, assim, edifica a Igreja, fortalece o Corpo de Cristo e glorifica o nome de Cristo.
Dons e ministérios
O interesse aqui nesse ponto não é um aprofundamento a respeito de discutir quais ou quantos dons espirituais existem. A atenção está na importância dos dons para a promoção da comunhão.
Os dons são dados aos homens por causa de Cristo. Foi Ele quem “subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons aos homens.” (Efésios 4. 8). As listas dos dons espirituais que aparecem no Novo Testamento estão em Romanos 12.3-8, 1 Coríntios 12. 1-11, Efésios 4. 7-16 e 1 Pedro 4. 7-11. Alguns dos dons se repetem em alguma lista e outras não.
Os dons espirituais possibilitam aos crentes o desenvolvimento de seus ministérios, servindo, assim, a Deus e ao Corpo de Cristo. É bom lembrar que em todos os textos que tratam sobre os dons espirituais, sempre é ressaltada razão pela qual os dons são dados: edificação do Corpo e a glória de Deus. Sendo assim, o desenvolvimento dos dons e, consequentemente, o envolvimento com seus respectivos ministérios, possibilitam ao crente a promoção da comunhão e o fortalecimento da unidade da Igreja.
A promoção da comunhão através do exercício dos dons faz com que cada crente saiba agir com prudência no trato de um com os outros. Isso porque diminui possibilidade do crente arrogar para si uma importância que não lhe é devida. É essa afirmação que se encontra no apóstolo Paulo: “Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um. Porque assim como num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma função, assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros, tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada...” (Romanos 12. 3-6)
E aprofundando ainda mais essa idéia: “Através do ‘crente-canal’, Deus, a Fonte, transmite e dispensa sua bênçãos a outrem. O membro do Corpo de Cristo que entende isso não tem tempo ou interesse para se vangloriar e nem para se desvalorizar, pois está feliz da vida, ocupado em ser um eleito para o serviço do Rei.” (KNIGHT, Lida E. Quem é você no Corpo de Cristo? Campinas: Luz para o Caminho, 1994, p. 16-7).
Pode se perceber que os dons espirituais dados por Deus não causam separação dos crentes, mas, sim, a promoção dentro do Corpo de Cristo. Com o exercício dos dons o que ocorre é um apoio mútuo dos membros da Igreja que resulta no fortalecimento da unidade da Igreja. Além disso, o desenvolvimento dos dons e o envolvimento em seus respectivos ministérios contribuem para que os crentes se ajustem como membros e vão crescendo no amadurecimento na fé em Cristo.
A Santa Ceia
A Santa Ceia é um dos sacramentos instituídos pelo Senhor Jesus. A participação na Santa Ceia conta com a presença espiritual e real de Cristo. Desde modo, quando o crente participa da Santa Ceia ele está nutrindo sua própria vida pois, do mesmo modo que o pão e o vinho alimentam o corpo. Cristo alimenta a alma. Há de se notar que a Ceia também é um meio de graça que, como tal, fortalece o crente: “A Ceia é um meio de graça, isto é, um meio que Deus usa para nos nutrir e fortalecer espiritualmente. Por isto, devemos participar dela regularmente. Na antiga aliança, o israelita que deixasse de participar da páscoa, sem justificativa, era eliminado do povo de Deus (Nm 9. 13). Na nova aliança, o crente que deixa de participar da Ceia do Senhor, sem justificativa, está fechando um canal de bênçãos para sua vida e se aniquilando espiritualmente”. (NASCIMENTO, Adão Carlos. Pensando e repensando a profissão de fé: orientação segura para quem se prepara para a pública profissão de fé: reflexões sérias e profundas para quem já é membro da Igreja. Santa Bárbara d’Oeste: Socep, 2004, p. 152).
Um fator interessante sobre a Santa Ceia é que ela é uma celebração comunitária. Ou seja, a Ceia não é uma celebração individual ou particular. Muito pelo contrário, ela deve ser celebrada justamente par o exercício da comunhão. É evidente que, individualmente, cada crente é fortalecido pela presença de Cristo; não obstante, a Ceia é celebrada em caráter comunitário com a participação dos membros do Corpo de Cristo pertencentes a uma igreja local (1 Coríntios 11. 17 -34).
Na Confissão de Fé de Westminster nota-se a importância de se observar a Santa Ceia, bem como a finalidade da participação nesse ato: “Na noite em que foi traído, nosso Senhor Jesus instituiu o sacramento de corpo e sangue, chamado Ceia do Senhor, para ser observado em sua Igreja até o fim do mundo, para ser uma lembrança perpétua do sacrifício que em sua morte ele fez de si mesmo; para selar, aos verdadeiros crentes, todos os benefícios provenientes desse sacrifício para o seu nutrimento espiritual e crescimento nele, e seu compromisso de cumprir todos os seus deveres para com ele; e ser um vínculo e penhor de sua comunhão com ele e uns com os outros, como membros de seu corpo místico.” (CONFISSÃO de Fé de Westminster, capítulo XXIX. I)
A participação na Santa Ceia é algo que fortalece o crente na fé em Jesus, uma vez que celebra tanto a salvação dada pelo sacrifício de Cristo na cruz como revigora a expectativa de seu retorno. Não obstante, a Ceia também fortalece a lembrança da comunhão dos membros do Corpo de Cristo; e, essa lembrança, deve se tornar cada vez mais prática entre tais membros. “Exame de consciência antes da participação levará o homem a apropriar-se do verdadeiro segnificado da Santa Ceia: a participação do corpo de Cristo. Não mero banquete, ou simples lembrança intelectual, mas synpeymosis, interpretação espiritual, a renovação do concerto, do pacto – diathêkê – entre o Senhor e o homem. Paulo diz que quando o participante não é capaz de discernir a comunidade à qual pertence como o corpo de Cristo, busca o juízo e condenação para si. Isto é, quando o crente vem para a comunidade cristã como a uma sociedade qualquer, onde, entre muitos ofícios de que participa, participa também da reunião na qual um pequeno pedaço de pão e uma porção de vinho são oferecidos em cumprimento de uma disposição regulamentar ou canônica, ou de costume trimestral, mensal ou semanal. Lá fora os homens se discernem por classes sociais, capacidade financeira, política, física ou intelectual. Aqui, na Igreja de Cristo, letrados e ignorantes, empregados e empregadores, oficiais e soldados, gente da cidade, dos subúrbios ou dos campos, dos palácios e das favelas, formam um grupo homogêneo e esta homogeneidade é dada pela presença carismática de Cristo, que a todos senta na mesma mesa, participantes do mesmo pão.” (BITTENCOURT, B. P. Problemas de uma igreja local: a igreja de Corínto e a minha congregação. Coleção Wesleyano nº 2. S/l: Associação Acadêmica João Wesley, 1962, p.103-4, sic).
Evidentemente, há de se entender que a Santa Ceia não é uma celebração exclusiva de uma única denominação. Nenhuma denominação tem o poder de, como que em uma estranha presunção de auto autenticidade, arrogar para si ser a verdadeira igreja de Deus, portanto, somente quem estivesse em um rol de membros de tal denominação poderia participar da Ceia. Nesse momento, quando se fala de denominações, está sendo consideradas aquelas conhecidas com evangélicas. Sendo assim, a Santa Ceia deve ser uma prática que venha promover a comunhão e não causar um distanciamento entre irmãos e irmãs da mesma fé em Jesus.
A participação na Santa Ceia contribui para a promoção da comunhão porque, além de se reafirmar o compromisso com Cristo, tem-se a oportunidade de evidenciar de que se faz parte de um Corpo, o Corpo de Cristo, e conviver em comunhão com os membros desse Corpo.
Pode se perceber que a unidade da Igreja tem um paradigma excelente: a Trindade Santa. A relação das três pessoas da Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, é uma relação baseada no amor. Além disso, vê-se a comunhão perfeita entre essas pessoas. A igreja cristã pode e deve olhar para o próprio Deus, especialmente na relação trinitária, para aplicar a realidade da unidade na igreja.
A Igreja invisível nada mais é do que o próprio Corpo de Cristo. Sua unidade é estabelecida pela obra de Cristo na cruz e na aplicabilidade do Espírito Santo. Evidentemente que a presença do Senhor Jesus é a evidência marcante na Igreja Invisível.
A unidade da Igreja visível se percebe nas ações dos membros para que preserve essa unidade. Deus está no controle também da igreja visível; não obstante, Deus pode permitir que haja inúmeras denominações devido à dureza do coração das pessoas. Deve-se entender que isso pode ser encarado como diversidade nas realizações no Reino de Deus.
Natanael Flávio de Moraes, rev.
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